O Divã de Freud – Final

O Divã de Freud – Parte 3: O Encontro Final

Alguns anos se passaram desde os encontros anteriores. Freud, agora mais velho e experiente, carrega consigo uma mistura de orgulho e inquietação. Ele pensa nas conversas anteriores com o “paciente” mais enigmático que já teve – o Diabo. Contudo, algo mudou. Freud, apesar de continuar fiel à sua ciência, começa a perceber a limitação das teorias que construiu. Certo dia, ao pôr do sol, o consultório escurece. A porta se abre suavemente. Desta vez, o Diabo não está sozinho.

Diabo: [Entrando com um ar triunfante, seguido de uma figura serena e majestosa] Olha quem eu trouxe, Freud! Vamos ter uma conversa a três. Achei que seria divertido. Você sempre quis entender o que motiva as neuroses humanas, então pensei: por que não trazer alguém que tem uma visão bem diferente da minha?

Freud observa com cautela a figura de Jesus entrando silenciosamente na sala. Ele não precisa se apresentar. Sua presença enche o ambiente de uma paz sobrenatural, em contraste com o cinismo e a malícia do Diabo.

Freud: [Com uma mistura de ceticismo e curiosidade] Então, finalmente chegamos a este ponto. Sempre me perguntei como seria reunir a “personificação do bem” e a “personificação do mal” no meu divã. O que têm a me dizer?

Diabo: [Rindo com sarcasmo] Oh, Freud, você ainda pensa que pode “controlar” essa sessão? Você e suas tentativas desesperadas de resolver a condição humana pela análise fria e racional. Mas hoje, vamos deixar o “mestre” aqui falar um pouco. Tenho certeza de que Ele tem algo a acrescentar.

Jesus permanece em silêncio por um momento, olhando para Freud com compaixão.

Jesus: Sigmund, você tem buscado respostas a vida toda, tentando compreender o coração humano. Você identificou o ego, o superego, o inconsciente… Mas, no fundo, sabe que as respostas que procura não estão na mente humana, mas em algo muito mais profundo.

Freud: [Com frieza] E você sugere que eu abandone a razão e me renda à fé? Que simplesmente aceite uma solução mística para problemas que claramente têm raízes psicológicas?

Jesus: Não estou pedindo que abandone a razão. Pelo contrário, a razão é um dom, mas ela sozinha não pode curar o que está quebrado. Você entende o conflito interno, o desejo humano de ser completo, mas a solução que você busca não pode ser encontrada na autossuficiência. A verdadeira cura vem quando o ego morre, e o homem se rende ao amor e à verdade que não vêm de si mesmo.

Diabo: [Interrompendo] E é aqui que as coisas ficam “interessantes”, não é? Eu ensinei a humanidade a adorar a si mesma, a acreditar que pode se salvar por sua própria sabedoria. Freud é meu maior exemplo: um homem brilhante, tentando com todas as forças encontrar redenção no próprio intelecto. Eles querem ser livres, mas se recusam a aceitar que a liberdade que oferecem a si mesmos é uma prisão dourada.

Freud: [Agora visivelmente incomodado] Vocês falam como se a mente humana fosse incapaz de alcançar a verdade por si só. E eu? O que eu descobri, então? Minha obra, minhas teorias… são inúteis?

Jesus: Sua busca foi válida, Sigmund. A conquista do seu conhecimento, por entender o que está além da superfície, é nobre. Mas o orgulho humano, o desejo de ser o próprio salvador, é o que o impede de ver a verdade completa. Você viu fragmentos da realidade, mas a verdade plena não pode ser percebida através do orgulho ou da autossuficiência. Eu vim para dar a cura que o mundo busca – uma cura que começa na humildade e no reconhecimento de que o homem precisa nascer de novo, espiritualmente.

Diabo: [Com desprezo] E é isso que eu mais odeio! A simplicidade dessa mensagem. Não há jogos mentais, não há teorias complexas, apenas uma entrega total. Mas quem, nos dias de hoje, quer isso? Eles preferem se afundar em livros e filosofias intermináveis, buscando entender o que só pode ser resolvido com uma rendição.

Freud: [Com uma mistura de tristeza e desespero] Então o que proponho – a libertação através da análise, a compreensão do inconsciente – não pode salvar ninguém?

Jesus: A análise pode revelar muito sobre a condição humana, mas ela é limitada porque tenta lidar apenas com os efeitos, enquanto a raiz do problema está no espírito. A verdadeira libertação vem quando o homem reconhece sua incapacidade de se salvar e permite que Eu o transforme. Quando o ego morre, a verdadeira paz entra. Eu não vim para oferecer uma teoria; vim para dar vida, e vida em abundância.

Diabo: [Com desdém] Mas veja, Freud, como isso é “humilhante”! Reconhecer que você não pode salvar a si mesmo, que precisa de algo além da sua lógica brilhante. Aceitar isso seria negar todo o seu trabalho, não é? Por isso, é muito mais “inteligente” continuar buscando respostas dentro de si, onde você tem o controle… ou pelo menos acha que tem.

Freud olha para Jesus, depois para o Diabo, e finalmente abaixa a cabeça. Pela primeira vez, ele sente o peso do fardo que carrega – o peso de tentar resolver tudo com sua própria capacidade, sem nunca considerar que talvez a resposta não esteja dentro dele.

Freud: [Em voz baixa] E se eu estiver errado? E se tudo o que fiz foi construir muros ao redor de um problema que nunca consegui alcançar?

Jesus: Não é tarde para encontrar a verdade, Sigmund. A transformação que você busca não está na análise do ego, mas na morte do ego, na humildade que traz verdadeira paz. Eu não vim para condenar, mas para salvar o que estava perdido.

Diabo: [Com um sorriso cínico] Bem, Freud, parece que o final desta sessão depende de você. Você vai continuar buscando glória em suas teorias ou vai admitir que, no fundo, sempre esteve tentando curar o que só pode ser redimido pela graça? A escolha é sua… mas saiba que, seja qual for sua decisão, eu estarei aqui, torcendo pelo seu “sucesso”.

O ambiente volta a silenciar. Freud percebe que está diante de uma escolha que nunca pensou que teria que fazer. O Diabo, sempre manipulador, dá de ombros e desaparece, deixando Freud e Jesus sozinhos no consultório. Jesus, com um olhar cheio de amor e misericórdia, aguarda. Freud respira fundo, sentindo o peso de toda sua vida intelectual sobre seus ombros.

O fim dessa história ainda está em aberto – como tantas histórias de busca e orgulho humano.

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